Palácio da Pena: visita ao interior apenas com data e hora marcada, indicadas no seu bilhete; não existe tolerância de atraso. Saiba mais

D. Afonso VI deixou mesmo marcas no chão do seu quarto de tanto andar de um lado para o outro?

02 fev. 2023

H6A8489©PSML José Marques Silva

Quem já visitou o Palácio Nacional de Sintra já ouviu falar no chão marcado pelos passos de D. Afonso VI. Mas será que o desgaste no pavimento está, de facto, relacionado com a prisão do rei português?

 

Façamos uma viagem no tempo. D. Afonso VI, filho de D. João IV e D. Luísa de Gusmão, subiu ao trono em 1656. Recebeu o cognome ‘O Vitorioso’, pois foi durante o seu reinado que a Guerra da Restauração chegou ao fim (1668). Mas, pouco tempo depois desta conquista, D. Afonso acabaria por ser afastado do trono pelo seu irmão, o futuro D. Pedro II, que o declarou física e mentalmente incapaz. Afonso passou o resto do seu reinado isolado: primeiro na ilha Terceira, nos Açores, e depois no Paço de Sintra, onde acabaria por morrer, ao fim de nove anos de enclausuramento.

 

O rei estava confinado ao seu quarto. Era guardado por 300 soldados e só podia sair dos seus aposentos para assistir à missa.  Daí que tenha surgido a lenda de que as marcas que vemos hoje no chão tinham sido deixadas pelos passos de D. Afonso VI, que passava o dia a andar de um lado para o outro no seu pequeno quarto. Até que ponto esta afirmação é verdadeira?

 

De facto, Afonso poderá ter deixado marcas no pavimento azulejar daquela câmara. Quando era criança, com apenas três ou quatro anos, foi atingido por uma “febre maligna” que o deixou com uma hemiparesia, ou seja, com dificuldade em mexer o lado direito do corpo. Por isso, é normal que arrastasse a perna direita e assim imprimisse um maior desgaste nos azulejos.

 

Mas seria este problema físico do rei suficiente para deixar marcas tão profundas no chão do seu quarto? O conservador do Palácio Nacional de Sintra, Cláudio Marques, relembra que o pavimento daquela câmara está datado de c. 1440 e que o rei esteve naqueles aposentos de 1674 a 1683, cerca de 230 anos depois. Ou seja, era normal que o chão já apresentasse algum desgaste na altura em que D. Afonso VI ali viveu. “Além disso, não há uma zona do pavimento que tenha passado incólume às marcas do tempo. Ora, se o rei tivesse desgastado o chão com os seus passos isso só seria percetível numa zona do quarto e não na totalidade do pavimento, dada a colocação de mobiliário como a cama, mesa e cadeiras”, explica o conservador. Sabe-se também que, nos últimos anos da sua vida, Afonso tinha cada vez mais dificuldades motoras – chegou mesmo a ser levado em braços para assistir à missa na tribuna da capela do Paço de Sintra.

 

Com todos estes fatores em mente, é possível dizer que sim, D. Afonso VI terá desgastado um pouco o pavimento do quarto onde viveu até morrer, mas o seu estado de conservação não se deve aos seus passos incessantes.

 

CONCLUSÃO: mito, com um possível fundo de verdade.