Verão em Sintra: as férias que todos gostariam de ter
01 ago. 2023
Agosto é o mês de férias para muitos portugueses, mas no tempo em que os monumentos de Sintra eram habitados, os períodos de lazer eram mais extensos do que as típicas duas ou três semanas de descanso no verão.
Como era gozada a época estival nos vários palácios de Sintra? Existem registos que nos permitem ter uma pequena noção de como reis, rainhas e membros importantes da sociedade aproveitavam o verão.
No Palácio Nacional de Sintra:
D. Duarte (1391-1438) gostava muito de passar longas temporadas no Paço de Sintra durante o verão.
Em 1435, o rei escreveu o seguinte: “(…) vimos a esta vila de Sintra muitas vezes ter alguns Verões. E assim cremos o farão os Reis que depois de nós vierem, por acharmos a terra de muitos bons ares e águas e de comarcas em que há grande abundância de mantimentos de mar e de terra, e por nossa muito nobre e leal cidade de Lisboa ser tão acerca, e avermos em ella assas de folganças e desenfadamentos de montes e caças. E por termos em ela nobres paços de mui espaçadas vistas”.
D. Duarte estava certo – ao longo de vários anos, foram muitos os monarcas que escolheram passar o verão em Sintra. A caça e o tempo ameno eram dois dos principais atrativos para a deslocação a Sintra, mas a proximidade de Lisboa, que, com o passar dos tempos, afirmou-se como centro da progressiva burocratização do governo do reino, acabou também por fazer com que a corte decidisse circunscrever as suas deslocações a um raio cada vez menor em torno da principal cidade portuguesa.
Com o passar dos séculos, os hábitos de veraneio foram mudando, mas Sintra continuou a ser uma das principais escolhas da corte. E com os novos tempos foram surgindo também novas tradições. Uma delas é a celebração do ‘Peixe Frito’.
Quando vinha passar longas temporadas a Sintra no verão, a Família Real organizava grandes festas não só para si, mas também para os sintrenses. O ‘Peixe Frito’ foi a expressão usada por populares para designar os concertos oferecidos pela Casa Real no terreiro do Palácio de Sintra. Estes realizavam-se no verão, quando o Rei passava férias em Sintra, e eram interpretados por uma banda que acompanhava a corte durante a época estival.
Não se sabe quando começou esta tradição, mas, em 1844, já existiam relatos deste acontecimento no Jornal da Sociedade Juventude. De acordo com a reportagem feita na altura – citada recentemente pelo Jornal de Sintra –, as conversas e os “namoricos” sobrepunham-se à música, as senhoras surgiam com os seus chapéus mais elegantes e os cavalheiros eram descritos como andando sempre passeando com o seu grosso charuto nos lábios. A Família Real também assistia, mas mantinha-se resguardada no Palácio, vendo o que se passava no terreiro através das janelas do Paço Real.
“Se ha «peixe frito» no pateo do Paço Real, isto é, se toca uma banda regimental, entretem-se a noute até ás dez horas; se não, conversase n'algum grupo ou n'alguma botica”, pode ler-se na obra de 1908 “A Estremadura Portuguesa”, do escritor Alberto Pimentel, a respeito de como eram vividas as noites de verão em Sintra.
Após a queda da monarquia, em 1910, o “Peixe Frito” foi, aos poucos, desaparecendo.
No Palácio Nacional de Queluz:
Sabia que a Real Quinta de Queluz – hoje conhecida como o Palácio Nacional de Queluz – foi o Palácio preferido da Família Real para passar os meses de verão durante o reinado de D. Maria I?
Para aqui se deslocavam para aproveitar o bom tempo, assistir às sumptuosas festas organizadas por D. Pedro em honra de S. Pedro e S. João e comemorar os aniversários reais. Uma coisa é certa: não podiam faltar formas de entreter reis, rainhas, príncipes, princesas e ilustres convidados.
De acordo com a informação recolhida pelos historiadores ao longo das últimas décadas, sabe-se que, nesta altura, se realizavam cavalhadas, jogos equestres e combates de touros, com a participação de cavaleiros e picadores da Casa Real. Passeava-se de carrinho nos jardins e de gôndola no Canal.
À noite, iluminavam-se os jardins e o rio com lampiões à chinesa e pinturas transparentes, e as fachadas do Palácio com vidros de várias cores. A Orquestra tocava na Casa da Música sobre o Canal e artistas eram contratados para o divertimento da Família Real e da Corte, que também assistiam ao lançamento de balões iluminados, ricamente decorados com pinturas.
Ao longo do dia, serviam-se jantares, merendas e refrescos. Após a ceia, era lançado fogo-de-artifício, que produzia efeitos maravilhosos. Quem não gostava de ter umas férias de verão assim?
No Palácio Nacional da Pena:
Esta é a altura em que muitos gozam as ‘férias grandes’. Mas, no tempo de D. Fernando II, a temporada de lazer por Sintra começava muito antes de agosto… E durava mais tempo do que as típicas duas a três semanas que muitos aproveitam nos dias de hoje.
Como conta o Diário de Notícias, no século XIX, a Família Real chegava a Sintra no final de abril e ali ficava por muitos meses, a desfrutar do bom tempo e do ar fresco. As famílias mais ricas e prestigiadas de Lisboa não se deixavam ficar para trás e também escolhiam Sintra como local de eleição para passar a temporada de verão.
“Cintra deve muito frequentada este verão pelo mundo elegante pois que já se acham, arrendadas muitas casas, e n’estes últimos dias bastantes pessoas teem vindo aqui gozar as delicias que esta boa terra prodigalisa. Corre como certo que suas majestades devem chegar aqui por todo este mez, e demorar-se-hão algum tempo. Já chegaram para o paço alguns objectos próprios para consumo. Sua magestade el-rei o sr. D. Fernando vem para o seu palácio da Pena no dia 20 do próximo mez de maio. – (D’um nosso correspondente)”, lê-se na edição publicada a 20 de abril de 1866.
Às vezes, as temporadas prolongavam-se até outubro, como aconteceu no ano seguinte: “efectivamente sua majestade el-rei o senhor D. Fernando e sua altesa o senhor infante D. Augusto retiraram hoje às 9 horas da manhã do palácio da Pena. Sua majestade e altesa deixaram gravada uma viva saudade no coração de todos os habitantes de Cintra e com especialidade daqueles menos protegidos da fortuna, de quem são votados protectores”, refere o número 825 do mesmo jornal, publicado a 11 de outubro de 1867.
Quem não gostava de ter umas férias grandes (muito grandes!) como a Família Real?
Como já foi dito antes, esta vontade de passar o verão em Sintra passou de geração em geração: além de ser o local predileto de D. Fernando II, Sintra era também um dos locais escolhidos por D. Carlos para passar os tempos de lazer.
De acordo com dados retirados das Cartas e Memórias de Tomaz de Mello Breyner, médico ao serviço da Família Real, e das Memórias de Chaby Pinheiro, ajudante de telegrafia, nos meses de verão, altura em que a Família Real passava longas temporadas no Palácio da Pena, D. Carlos I, D. Amélia e os príncipes D. Luís Filipe e D. Manuel gostavam de jogar partidas de ténis num dos patamares do parque desta residência de verão, descer a serra para fazer piqueniques na Praia da Adraga e, a seguir ao jantar, assistir a um concerto interpretado pela banda que integrava o destacamento militar que acompanhava a Família Real à Pena.
No Palácio de Monserrate:
Não era só a Família Real que gostava de passar largas temporadas em Sintra. Quando adquiriu a Quinta de Monserrate, em 1846, o comerciante inglês Francis Cook percebeu de imediato que este ia ser o local ideal para passar o verão com a família.
Mais quente do que Londres, mas mais fresca que Lisboa ou Cascais, Sintra – e Monserrate em particular – tinha todas as condições para os Cook aproveitarem a época estival. E, claro, não podiam faltar os hábitos ingleses: além de organizar grandes festas, com os mais ilustres convidados, esta família britânica gostava de manter a tradição do ‘five o’clock tea’ na Sala da Música ou dos piqueniques ao ar livre.
Quando regressavam a Londres, os Cook vendiam bilhetes de entrada para o Parque de Monserrate, cujos jardins exuberantes constituíam uma das principais atrações. Os lucros revertiam para a Santa Casa da Misericórdia de Sintra, destinando-se essencialmente a financiar escolas para jovens raparigas – uma iniciativa levada a cabo por Tennessee Claflin, mulher de Francis Cook.
Depois da morte do comerciante inglês, em 1901, os seus descendentes continuaram a habitar o palácio no verão. Piqueniques, passeios, idas à praia, banhos no lago e garden parties – eram tempos de festa aqueles que se viviam em Monserrate no início do século XX. Uma edição de 1904 da ‘Illustração Portugueza’ descreve o ambiente que se vivia: “ouvem-se risadas, trechos de conversação em inglez, algumas senhoras, em vestidos claros, irrompem pela bibliotheca, interessam-se no trabalho com os senhores viscondes e combinam-se fazer um grupo á entrada da casa pela tarde sombria que os convidados dos nobres proprietários animam com os seus risos e com as suas frases. (...) a noite enchia-se de estrelas e lá ao fim, o palácio illuminado era como a habitação de boas fadas hospitaleiras, maravilhosas e opulentas”.