Está o seu nome entre as 72 famílias nobres eleitas pelo rei D. Manuel? A resposta pode estar no Paço Real de Sintra
22 fev. 2024
Ao entrar na Sala dos Brasões do Palácio Nacional de Sintra, pare um minuto e observe. Repare bem na beleza e nos pormenores desta divisão, expoente da intervenção manuelina neste palácio (c.1515-1518). Levante a cabeça e preste atenção a todos os detalhes. Que símbolos são estes? Qual a sua ligação à história de Portugal? Será que são meros elementos decorativos ou existe algum significado por detrás de cada um?
A verdade é que na cúpula desta sala está representada não só a família real, mas também as 72 famílias nobres mais influentes do reino. Este registo heráldico do século XVI constitui, ainda hoje, uma referência procurada por portugueses e lusodescendentes de todo o mundo, que, com curiosidade, tentam perceber se a sua família era ou não uma das mais importantes de Portugal naquela altura.
Mas porquê apenas 72? A resposta está numa passagem da Bíblia (Lucas: 10): – “Depois disto, o Senhor escolheu setenta e dois outros discípulos e mandou-os adiante dele, dois a dois, a todas as povoações e lugares aonde ele havia de ir [espalhar a boa nova]. (…) “Os setenta e dois discípulos voltaram muito contentes e diziam: «Senhor, até os espíritos maus nos obedecem quando lhes falamos em teu nome.» Jesus respondeu-lhes: (…)Mas não se alegrem só porque os espíritos maus vos obedecem. Alegrem-se antes por terem os vossos nomes escritos no Céu»”. A escolha destas 72 famílias tinha assim como objetivo enaltecer a vontade da monarquia portuguesa em espalhar a fé cristã pelo mundo. Estes nobres eram como que discípulos do rei, representante divino no plano terreste, que, em seu nome, executariam esse desígnio da monarquia.
O rei no centro de tudo
Assim sendo, que famílias estão aqui representadas? Primeiro que tudo, há que entender como este registo foi pensado.
No fecho da cúpula, temos as armas reais, encimadas pela serpente alada da dinastia reinante de Avis. O rei – neste caso, D. Manuel I (r.1495-1521) – estava no centro de tudo e queria projetar a sua identidade. Era um dos monarcas mais ricos da Europa, foi no seu reinado que se chegou ao Brasil e se descobriu o caminho marítimo para a Índia – estava até no Paço de Sintra quando recebeu estas notícias. Mas D. Manuel tinha uma fragilidade – não era filho de um rei. Por isso, para que não restassem dúvidas quanto à sua legitimidade enquanto soberano, construiu uma identidade enquanto neto do rei D. Duarte – era a divisa de D. Duarte, Tan ya serey (que pode ser lido como “serei leal” ou “obrarei lealmente”) que se lia nas faixas entre as hastes dos veados (símbolo de justiça e de Cristo) representado na cúpula desta sala. Além disso, pôs as suas armas no centro de tudo – o rei assume, assim, o papel de lugar-tenente de Cristo na Terra, com os seus 72 discípulos em redor. Ele está no topo da hierarquia social e é dele que emana toda a luz. Há até um pormenor interessante na construção da sala: esta torna-se cada vez mais escura à medida que nos afastamos do fecho da cúpula (e, por conseguinte, da representação do rei) e nos aproximamos do solo.
Ao redor das armas reais, D. Manuel mandou pintar os brasões dos oito filhos que teve com a segunda mulher, D. Maria (filha dos Reis Católicos). São seis filhos (brasões em escudo) e duas filhas (brasões em losango, dito lisonja, bipartido).
Dos Almeidas aos Vieiras
Já no nível inferior, surgem os brasões, também conhecidos como escudos de armas, das 72 famílias nobres mais importantes do reino. E o que fazia delas as mais importantes e influentes de Portugal? No caso dos membros da nobreza, as armas de um indivíduo remetem normalmente para os feitos dos seus antepassados. Assim sendo, a honra de um nobre não estava circunscrita às ações da sua pessoa, mas era também marcada pelos feitos dos seus antepassados e familiares próximos. Era, por isso, a história do indivíduo e da sua família que ditava a sua influência. Na inscrição que rodeia a sala, pode ler-se uma referência às armas representadas e à dedicação destas famílias à coroa portuguesa: “POIS COM ESFORÇOS LEAIS SERVIÇOS FORAM GANHADAS COM ESTAS E OUTRAS TAIS DEVEM DE SER CONSERVADAS.”
Com base neste esquema, conheça as famílias representadas na Sala dos Brasões e a sua posição:
A – Armas do Rei B – Infante D. Yoam C – Infante D. Luis D – Infante D. Fernando E – Infante D. Afonso F – Infante D. Enrique G – Infante D. Duarte H – Infanta D. Isabel I – Infanta D. Beatriz 42 – Aboins 27 – Abreus 71 – Aguiares 23 – Albergarias 14 – Albuquerques 24 – Almadas 16 – Almeidas 15 – Andrades 66 – Arcas 4 – Ataídes 25 – Azevedos 58 – Barretos 55 – Bethancourt 72 – Borges 28 – Britos 35 – Cabrais 43 – Carvalhos 26 – Castelo-Branco |
3 – Castro (da Penha Verde) 7 – Castros 63 – Cerveiras 59 – Coelhos 32 – Corte-Real 45 – Costas 2 – Coutinhos 8 – Cunhas 5 – D’Eças 69 – Farias 18 – Febos Monis 61 – Ferreiras 53 – Gamas 65 – Góios 56 – Góis 68 – Gouveias 21 – Henriques 33 – Lemos 19 – Limas 49 – Lobatos 30 – Lobos 40 – Malafaias 17 – Manueis 38 – Mascarenhas 41 – Meiras 12 – Melos 22 – Mendonças |
36 – Mirandas 6 – Meneses 44 – Motas 29 – Mouras 54 – Nogueiras 1 – Noronhas 47 – Pachecos 10 – Pereiras 46 – Pessanhas 57 – Pestanas 64 – Pimenteis 67 – Pintos 60 – Queirós 34 – Ribeiros 31 – Sás 39 – Sampaios 62 – Sequeiras 52 – Serpas 13 – Silvas 48 – Soutomaior 9 – Sousas 37 – Tavares 20 – Távoras 50 – Teixeiras 51 – Valentes 11 – Vasconcelos 70 – Vieiras |
Da próxima vez que for ao Palácio Nacional de Sintra, abra este artigo e descubra qual o brasão da sua família.
Se não encontrou o seu nome de família entre as 72 eleitas não fique triste, pois o rei D. Manuel mandou António Godinho fazer o Livro da Nobreza e Perfeição das Armas (c. 1521-1541), que passou a ser a referência heráldica para o século XVI. Consulte os fólios originais que estão na Torre do Tombo e quiçá poderá encontrar o seu apelido.