Morte de D. Maria II – O fim de uma verdadeira história de amor
15 nov. 2023
Os contos de fadas têm tudo aquilo que todos desejam – casamentos felizes, reinos prósperos, ideais de beleza inatingíveis, harmonia e felicidade em cada recanto e histórias de amor eterno ao virar de cada esquina. Depois, as aulas de História destroem estas fantasias e mostram-nos a realidade crua: casamentos por conveniência, reinos pobres, figuras execráveis, guerras e infelicidades em cada recanto e histórias de sofrimento eterno a cada esquina. Mas existem exceções à regra – numa altura em que os casamentos reais continuavam a ser meros contratos, independentemente da felicidade do casal, D. Maria II e D. Fernando viveram um amor verdadeiro, digno de uma história de encantar. E foi D. Fernando quem mais sofreu quando a sua amada partiu, a 15 de novembro de 1853, 170 anos antes da publicação deste texto.
Antes, recuemos aos tempos felizes. D. Maria II, rainha de Portugal, casou com D. Fernando de Saxe-Coburgo Gotha em 1836. O casamento foi, de facto, como muitos outros casamentos reais: o contrato matrimonial foi assinado ainda em 1835, o casamento deu-se por procuração em Coburgo no início de 1836 e depois, já pessoalmente, em Lisboa, em abril desse ano. Mas a verdade é que o casal se deu bem logo desde início. “Parece-me que já gosto delle sem o conhecer porque me parece pelas informações que tenho delle que hade fazer tanto a felicidade da Nação Portuguesa como a minha”, escreveu D. Maria II ao Conde do Lavradio.
Foram 17 anos de um casamento feliz. Rei e rainha amavam-se profundamente. Quando estavam separados, enviavam cartas com flores um ao outro. “Espero que estas cheguem bem, tal como as outras pequenas flores que colhi para ti”, lê-se numa carta de D. Fernando. Um amor assim deu lugar a uma família feliz – em casa, grande parte do tempo era dedicado aos filhos, tanto à sua educação, como aos tempos livres, passados na natureza.
No que toca à liderança do país, D. Maria II também contava com a ajuda do marido para muitas vezes resolver questões mais difíceis: “confesso que essa ideia me agrada e, caso concordes com ela, talvez eu consiga dar alguns passos nessa direção, responde-me depressa a este respeito”, lê-se numa carta enviada a D. Fernando, num tom de grande cumplicidade, típico de um casal que se compreende na perfeição.
Este amor deu frutos: a rainha esteve grávida 12 vezes e teve 11 partos. Por várias vezes, a rainha sofreu complicações durante o parto, mas isso não a demovia – “Se morrer, morro no meu posto”, dizia. Com o avançar da idade e o aumento de peso, as complicações foram piorando e, em 1853, quando se soube que D. Maria estava novamente grávida, foram muitos os que expressaram a sua preocupação. Todos à sua volta a alertavam para a necessidade de descansar, mas a rainha não deixou de ir à opera, ao teatro e de fazer algo de que tanto gostava: vir passar o verão a Sintra. Nesta altura, D. Fernando tinha já adquirido o antigo Real Mosteiro de Nossa Senhora da Pena para recuperá-lo e fazer ali uma residência de verão.
A verdade é que, a 14 de novembro de 1853, a rainha entrou em trabalho de parto e as coisas complicaram-se – ‘Não é nada como das outras vezes’, dizia. No dia seguinte, por volta das 11h30, fez sinal de que queria repousar, “descansou a cabeça sobre a almofada e deo o ultimo suspiro”. Foi então declarada a morte de D. Maria II, com apenas 34 anos, e do seu 11º filho, D. Eugénio.
“O rei D. Fernando assistia no seu posto à tragédia, ‘apoiado a um dos balaustres do leito deixando cahir as lagrimas sobre o mesmo leito e contemplando a triste scena’. Alguém presenciou o impressionante quarto de hora em que se abraçou em estado de choque à sua finada esposa. Os príncipes choravam convulsivamente assaltados pelos acontecimentos”, refere a obra ‘D. Fernando II: Rei-Artista, Artista-Rei’.
“Do seu reinado, destaca-se a Constituição de 1838 e respetivo Juramento, que resultou de um compromisso entre as teses liberais da Constituição de 1822 e as teses mais conservadoras expressas na Carta Constitucional de 1826 que dera origem ao sistema bicameral com a criação do Pariato. Elaborado e decretado pela Assembleia Constituinte, eleita na sequência do Setembrismo, este texto constitucional consagrava novamente o princípio democrático, a independência e a divisão tripartida dos poderes legislativo, executivo e judicial, além de substituir o Pariato pelo Senado eletivo”, refere o site do Parlamento português.
D. Maria II não chegou a habitar o Palácio da Pena, o recanto construído com tanto amor pelo seu marido. Durante muitos anos, D. Fernando viveu com uma grande amargura: “esses grandes afetos, quando rompidos, deixam um vazio terrível e uma dor difícil de curar”, escreveu numa carta dirigida à rainha Vitória de Inglaterra, sua prima. Com todas as emoções, peripécias e eventos inesperados que compõem a vida real, chegava ao fim uma verdadeira história de amor.