Lady Cook: a sufragista americana que lutou pelas mulheres da América e de Sintra
08 mar. 2023
Se calhar o nome Tennessee Claflin não lhe diz muito, mas se falarmos na Lady Cook provavelmente saberá de quem se trata. Sabia que a mulher de Francis Cook teve um papel muito importante no desenvolvimento do património e da vida da região?
Tennessee Claflin nasceu no Ohio, na década de 1840, numa família muito pobre. Era ainda uma menina quando, juntamente com a sua irmã Victoria, começou a sustentar a família, fazendo-se passar por cartomante, curandeira e organizando espetáculos de espiritismo. Mas as coisas nem sempre corriam bem: “no pior caso, Tennessee Claflin foi acusada de homicídio, em 1864, após a morte de um doente oncológico no seguimento dos seus ‘tratamentos’ hipnóticos. Tennessee abandonou de imediato o estado para fugir às autoridades”, lê-se na obra ‘Monserrate Revisitado’.
Uma das pessoas que recorreu aos ‘préstimos espíritas’ destas irmãs foi Cornelius Vanderbilt, um magnata norte-americano que fez a sua fortuna na marinha mercante e na construção de ferrovia. O empresário acabou por se tornar muito próximo das jovens Victoria Woodhull (nome de casada, que manteve mesmo depois de se separar) e Tennessee Claflin que, na década de 70, decidiram mudar-se para Nova Iorque para, com o dinheiro do seu novo patrono, abrirem o seu escritório – Woodhull, Claflin, & Company. As duas irmãs tornaram-se, assim, as primeiras mulheres a abrirem uma corretora em Wall Street.
A empresa tornou-se um sucesso imediato. Apesar de a sua integridade ser posta em causa por publicações como o New York Times e a Harper’s Weekly, Tennessee e Victoria continuaram a prosperar. Ao ponto de terem dinheiro para investir na criação de um jornal radical – o Woodhull & Claflin's Weekly. Esta publicação chocou tudo e todos: não só falava de questões controversas, como a legalização da prostituição, a igualdade de direitos e o movimento Amor Livre, que defendia a separação entre sexo e casamento (que foi mais tarde usado também pelos hippies), como também se impôs no que toca a visões políticas, tornando-se o primeiro jornal nos Estados Unido a imprimir o Manifesto Comunista, de Marx e Engels. As irmãs tentaram mesmo iniciar uma carreira na política, com Victoria a anunciar uma candidatura à Casa Branca, através do Partido Direitos Iguais, e Tennessee ao Congresso.
“Não quero saber do que a sociedade pensa... Se ligasse ao que é dito por aquilo a que apelidam de “sociedade”, nunca poderia sair do meu apartamento sem ser num vestido chique ou de gala; desprezo o que as raparigas pudicas e afetadas ou os dândis arrogantes dizem de mim... Penso que uma mulher é tão capaz de ganhar o seu sustento como um homem... Concentro-me no meu negócio e apenas nisso”, disse Tennessee Claflin aos jornalistas, citada no livro ‘Monserrate Revisitado’.
(Abaixo, uma caricatura de Victoria e Tennessee, publicada em 1870 no 'New York Evening Telegraph')
Mas como surge Sintra na vida desta sufragista norte-americana?
A verdade é que Woodhull, Claflin, & Company fechou poucos anos depois de abrir, na sequência da depressão económica que afetou os Estados Unidos naquela época. O jornal também acabou por deixar de ser impresso, no seguimento de vários escândalos – as irmãs chegaram mesmo a ser detidas várias vezes. Sem rumo em Nova Iorque, decidem ir para Londres – é na capital britânica que Tennessee conhece Francis Cook, um empresário e colecionador de arte inglês.
Com a sua fortuna, Cook comprou, em 1846, uma grande propriedade em Sintra. Ali mandou construir um palácio muito diferente do que já existia em Portugal, com influências góticas, indianas e mouriscas, bem como motivos exóticos e vegetalistas, envolvido por um jardim botânico diferente de tudo o que existe em Portugal, com espécies vindas de todo o mundo. Assim nasceu o Parque e o Palácio de Monserrate.
Era aqui que a família Cook passava férias e organizava grandes festas, mas a verdade é que Monserrate também servia a população. E essa ideia veio precisamente de Tennessee Claflin – foi ela que incentivou Francis Cook a permitir que o público visitasse o Parque e o Palácio, incluindo o interior desta residência de verão, revertendo a receita das entradas a favor da Santa Casa da Misericórdia de Sintra. Tal representava tanto uma ação filantrópica, como o cumprimento de uma missão cultural, ao permitir que todos os interessados pudessem apreciar as preciosidades das suas coleções botânica e artística. O dinheiro angariado pela Santa Casa servia principalmente para construir escolas para jovens raparigas.
Quando Cook morreu em 1901, a posição frágil de Claflin na sociedade europeia tornou-se óbvia, quando surgiu o rumor de que assassinara o marido. Estas acusações revelaram-se infundadas e nunca foi apresentada qualquer queixa contra a viúva. O filho mais velho de Cook herdou Monserrate e Doughty House e Claflin recebeu uma pensão generosa, suficiente para viver tranquilamente.
Quando morreu, em 1923, Tennessee Claflin foi recordada no ‘Chicago Tribune’ como uma “reformista” nos Estados Unidos e na Europa. “Durante parte da sua vida dedicou uma grande porção do seu tempo ao trabalho ativo em prol da causa sufragista, organizando clubes, fazendo generosas doações financeiras e insistindo na necessidade de mais e melhores oportunidades para as mulheres”, refere o obituário.