D. Maria II e Vitória de Inglaterra: uma grande amizade entre duas rainhas
09 jul. 2024
Não havia internet, nem telemóveis, mas no século XIX já existia uma moda que permitia aproximar as pessoas – os chamados Pen Pals (em português, amigos por correspondência). Pode-se dizer que D. Maria II e a rainha Vitória de Inglaterra eram Pen Pals – a sua relação que ia muito além de protocolos ou gestos de cortesia e existem várias cartas que comprovam a existência de uma verdadeira amizade à distância.
Nasceram apenas com umas semanas de diferença e conheceram-se quando eram ainda crianças, em Londres, numa festa de crianças organizada pelo rei Jorge IV. Anos mais tarde, quando eram ainda jovens, voltaram a encontrar-se e Vitória escreveu o seguinte nos seus diários: “Dona Maria é apenas um mês mais velha do que eu e é muito gentil comigo… Cresceu muito, mas também ficou mais robusta. Tem uma bela compleição e é muito doce e amigável”.
As duas jovens criaram laços muito fortes logo nessa altura e começaram uma troca de correspondência que se manteve ao longo das suas vidas. Mal sabiam que, anos mais tarde, iriam ficar ligadas de uma forma ainda mais estreita: em 1836, D. Maria casou-se com Fernando de Saxe-Coburgo e Gotha, primo de Vitória, e, três anos depois, celebrou-se o casamento da rainha de Inglaterra com Alberto de Saxe-Coburgo e Gotha, primo de Fernando.
Maria e Vitória tinham visões muito parecidas (e inovadoras) no que toca ao matrimónio: ambas eram apaixonadas pelos seus maridos e viam-nos como os seus melhores amigos e confidentes. Além disso, as duas rainhas prezavam muito a vida familiar e o recato do lar – ao contrário do que tinha sido hábito até àquela altura, ambas gostavam de preservar para si os momentos mais íntimos e de se dedicar às pessoas que amavam. D. Maria e D. Fernando tinham até planeado fazer do Palácio da Pena o seu refúgio, um sítio onde pudessem estar apenas em família, longe das obrigações da Casa Real. Infelizmente, D. Maria morreu antes de as obras de construção da Pena estarem concluídas.
A ligação entre as duas rainhas era tal, que a sua correspondência ia além de questões políticas e práticas de gestão dos reinos. Desabafavam uma com a outra, discutiam questões ligadas à maternidade, faziam planos em conjunto…. Conversavam como duas verdadeiras amigas.
A estima entre ambas passou também para as gerações seguintes: Vitória ‘mimou’ várias vezes os filhos de D. Maria II com as últimas tendências da moda londrina. Além disso, recebeu os filhos de Maria e Fernando – nomeadamente, o futuro D. Pedro V, por quem o seu marido Alberto tinha uma grande estima – na intimidade do seu lar, em Londres.
Aquando da morte de D. Maria II, com apenas 34 anos, Vitória escreveu nos seus diários: "Pobre querida Dona Maria, tinha os seus defeitos, mas também as suas grandes e boas qualidades. Os seus defeitos deviam-se ao facto de quase não ter tido educação. Era uma esposa devota e carinhosa, uma mãe exemplar e uma verdadeira amiga afetuosa. Sempre gostei dela, tendo-a conhecido desde a sua infância, e embora não tenhamos voltado a encontrar-nos, costumávamos corresponder-nos constantemente e éramos muito íntimas. Esta notícia tocou-me particularmente porque era da minha idade, era rainha, o seu marido era também da família Coburgo e tinha muitos filhos. Deixou-nos [a Vitória e Alberto] muito melancólicos e não consigo perdoar-me por não ter ido a Lisboa. Queríamos ambas ardentemente que isso acontecesse!”, escreveu Vitória no seu diário.